sábado, setembro 30, 2006

a propósito do liberalismo... (1)

Depois de ler um post publicado num blog amigo sobre a posição do liberalismo em relação às greves, achei interessante partilhar estas ideias inerentes a este conceito.
Para o liberalismo:
• A sociedade é o cenário da competição, da concorrência. Se aceitamos a existência de vencedores, devemos também concluir que deve haver perdedores. A sociedade teatraliza, em todas as instâncias, a luta pela sobrevivência. Inspirados no darwinismo, que afirma a vontade do mais apto, concluem que somente os mais fortes sobrevivem, cabendo aos fracos conformarem-se com a exclusão natural, os quais, por sua vez, não devem ser atendidos pelo Estado de Bem Estar, que estimula o parasitismo e a irresponsabilidade, mas sim pela caridade, através de associações e instituições privadas, que amenizam a vida dos infortunados. Qualquer política assistencialista mais intensa leva os pobres para os braços da preguiça e da inércia. Deve abolir-se o salário mínimo e os custos sociais, porque falsificam o valor da mão-de-obra, encarecendo-a, pressionam a subida de preços e geram a inflação
• A solução para todos os problemas da sociedade está no mercado. É ele quem tudo regula, faz subir ou baixar os preços, estimula a produção, elimina o incompetente e premeia o sagaz e o empreendedor. Ele é o deus perfeito da economia moderna, tudo vê e tudo ouve, omnisciente e omnipresente. O seu poder é ilimitado e qualquer tentativa de o controlar é um crime de heresia, na medida em que é ele que fixa as suas próprias leis e como devem ser seguidas. O mercado é um deus, um deus calvinista que não tem contemplação para os fracassados. A falência é a sua condenação. Enquanto reserva um lugar no Éden para aqueles que são bem sucedidos.

3 Comentários:

Às 10/03/2006 03:37:00 da tarde , Blogger AA disse...

Caro Ricardo,

Regressando ao tema.

1. Primeiramente, não há "posição do liberalismo" sobre as greves. O que o liberalismo diz é que o Estado não deve perturbar a liberdade contratual das pessoas, nem desequilibrar os equilíbrios espontâneos que se criam.

Um Estado que atribua privilégios exagerados às greves (na verdade, quaisquer privilégios), promove o desemprego e a desigualdade social - especialemente entre desempregados e empregados-, e o ressentimento entre o capital e o proletariado (os empregadores e trabalhadores). Promove guerra de classes, em vez de compatibilização. Como vê, nada da ideologia comunista é naif...

2. Se olhar em volta, vê que a sociedade, o conjunto das pessoas, é um mundo de entre-ajuda, cooperação, colaboração. As pessoas interagem voluntariamente e em cada interacção, aumentam os seus proveitos. Se uma pessoa trabalha para outrem, fica o trabalhador melhor e o empregador melhor. Caso contrário não havia essa relação. Se alguém compra um bem ou serviço, é porque valoriza esse produto acima dos usos alternativos que podia ter dado ao seu dinheiro. Não foi obrigado a fazer a despesa, ficou melhor.

Obviamente, os recursos são limitados, e o processo pelo qual eles são distribuídos (sem o sentido de "distribuição" como por desígnio do Estado) é por um sistema de mercado, que se caracteriza por trocas voluntárias. Este processo designa-se "concorrência".

É um processo distinto da "competição" porque afasta-se do "winner takes it all". Onde é que se vê "winner takes it all" na sociedade? Em parte nenhuma, e não é devido ao Estado. Ou melhor, existe por exemplo em concursos ou em desportos - situações onde as circunstâncias são igualadas à partida.

Ou seja, este é um proceso que nada tem que ver com "darwinismo", "vencedores", "perdedores", "o mais apto", os "fortes", os "fracos", "sobrevivência", "exclusão natural". Isso é propaganda. Eficiente, mas propaganda que se destina a toldar a percepção das pessoas para a essência da uma vida em liberdade que todos nós gozamos, apesar dos exageros dos liberais.

Há lugar para todos, e todos têm o seu valor. Que nada tem que ver com "merecimento" absoluto ou "justiça social". Estes são conceitos falaciosos que nada querem dizer. A pessoa pode não ter "culpa" de ser pobre, por exemplo. Mas não "merece" por isso que lhe dêem riqueza que não produziu. Pode ser difícil sair da pobreza, mas isso não quer dizer que as outras pessoas tenham de ser obrigadas a trabalharem menos ou mais para esse "objectivo". Estes são fins ideológicos que têm o mesmo valor se substituíssemos "pobre" por "rico" acima. "Defender" uns e outros tem o mesmo valor moral (nenhum), quando o Estado deve tratar todos os cidadãos por igual.

O que o liberalismo diz é que ninguém deve ser impedido de se erguer socialmente, e ninguém deve ser impedido de descer. Chama-se a isso "mobilidade social"...

2. quanto ao "mercado", e às concepções animistas que dele fazem (equipará-lo a um deus já nem é muito são - e relembro que não estou aqui para hostilizar, o que não quer dizer que não provoque), é de novo uma grosseira caracterização falar de supostos poderes ditatoriais.

O mercado faz-se das tais trocas voluntárias. E da associação voluntária de pessoas para perseguirem fins comuns. O mercado faz-se das preferências dos consumidores.

É um mecanismo "impessoal" porque ninguém o controla no sentido de dizer "para onde vai" ou "onde vai parar". E odiado por socialistas por isso mesmo. Porque no mercado, quem trabalha mais e melhor tende a ser mais bem recompensado. Cada um de nós, como consumidores, faz isso mesmo cada vez que consome.

E por esse mecanismo, geram-se "desigualdades". Mesmo que se nivelasse toda a sociedade e todo o capital, há pessoas mais determinadas que outras. A desigualdade faz parte da sociedade humana. O desejo de ter mais, de formas diferentes, é próprio do ser humano. Quer igualdades como fim, ou como pré-condição para uma sociedade "mais justa" é monstruoso.

Aqui, de novo, regresso ao outro comentário. Se o mercado se faz das nossas escolhas, quer dizer que através dos socialismos, os produtores que escolhemos recompensar (que podemos ser nós, quando outros nos compram coisas, inclusivamente a nossa força de trabalho) são menos ou deixam de ser recompensados, porque há redistribuição de capital para os produtores que não sucederam em conquistar as nossas preferências. Belo incentivo.

 
Às 10/03/2006 05:15:00 da tarde , Blogger AA disse...

Uma última nota que acho importante.

O "dog eat dog" com que se alerta para os "perigos" dos "mercados sem controlo" não se consegue desmontar tão brevemente, em comentários de blogues.

Aliás, tenho consciência que a exposição que aqui fiz é pouco sólida, e mereceria reparos não só de socialistas (sentido lato) doutrinariamente preparados, como de liberais - e não é raro isso acontecer.

Mas por iteração, havendo pachorra, chega-se lá. Se quiser literatura informativa, e eu prometo que posso indicar obras acessíveis, tenho muito gosto em dar uma ou outra sugestão. De novo, a ideia é formar convicções, mesmo que venham a ser contrárias ao liberalismo...

 
Às 10/03/2006 09:32:00 da tarde , Blogger ricardomorgado99 disse...

Caro António,
A expressão "liberdade contratual das pessoas" é sem dúvida interessante, pois pode albergar em si um outro significado. Frequentemente, muitos trabalhadores vêem-se obrigados a aceitar exigências pouco dignas por parte do patronato como forma de não perderem o emprego. Dir-me-á que ele foi "livre" de escolher. Com certeza que foi, mas a escolha não me parecia difícil, pois a outra alternativa era ser despedido e engrossar as listas de desemprego.
Sobre as greves, permito-me ler nas entrelinhas das suas afirmações que estas não são mais do que entraves ao crescimento das empresas e uma benesse para aqueles que não querem fazer nenhum. A minha dúvida é esta: será que aqueles trabalhadores que vêem os seus direitos atropelados diariamente, que assistem a uma constante degradação das suas condições de vida e de trabalho, não têm legitimidade para lutarem pelos seus interesses? E quais são as formas que estão ao seu alcance para tal? "Compatibilização" é um termo apropriado para as questões laborais, mas é difícil chegar a um acordo quando uma das partes tem bem mais a perder do que a outra, para não dizer tudo a perder.
Se eu fosse filho de um grande capitalista, não estaria, com toda a certeza, nada preocupado com a situação dos mais pobres. Felizmente - ou será infelizmente? - a pobreza não resulta apenas da vontade de estar em casa sentado no sofá, nem é o resultado de dias inteiros passados no café da esquina a beber cerveja e a fumar um "Português Suave". As fatalidades acontecem. De um momento para o outro, qualquer um de nós pode ficar impedido de exercer a sua actividade profissional, ou ver a sua fábrica fechar da noite para o dia, só porque os respectivos empresários conseguem poupar alguns tostões transferindo a sua empresa para um qualquer país do leste europeu. Para esses casos, é necessário um estado social. Um estado que me defenda e me dê o mínimo para eu poder lutar por mais. Um estado social, para o qual todos os cidadãos devem contribuir. Não, é afinal, esse o modelo social europeu?
Acredito, sem dúvida, que todo o Homem é capaz de singrar na vida, bastando para isso ter as condições para tal. Ler que "Quer igualdades como fim, ou como pré-condição para uma sociedade "mais justa" é monstruoso" deixa-me surpreendido, pois vai contra tudo aquilo que defendo para a nossa sociedade.
Caro António, não me custa reconhecer que me encontro numa troca de argumentos com alguém que possui mais conhecimentos sobre a matéria do que eu. No entanto, tudo aquilo que por mim é dito tem como base as minhas próprias convicções. E, ao contrário de alguns, não tenho vergonha de as expor nem de as defender, pois só assim acredito ser possível aprender e crescer enquanto cidadão.

 

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